Acalento
Eu sabia, no momento em que escutei os passos abafados que vinham do corredor, eu sabia que era Ana quem se esgueirava pela escuridão até o meu quarto.
Aquele era um costume que ela havia mantido, mesmo que agora ela estivesse no auge de seus dezesseis anos. Ela podia se achar muito madura pra brincadeiras no bosque, mas não para dormir junto da irmã mais velha. Eu agradecia por isso.
Quando nós viemos passar nosso primeiro verão na casa de nossos tios éramos pequenas o bastante para nos deixarmos assustar por histórias sussurradas pelos empregados.
Fadas nos troncos nodosos de árvores tão velhas quanto nossos avós. Espíritos que chamavam os nomes de crianças malcriadas, em muxoxos cantarolados entre as folhas muito verdes. Nossa babá gostava de nos contar essas histórias na hora de dormir.
E depois que ela apagava a vela branca no criado mudo, e fechava a porta do quarto, não demorava para que eu escutasse a madeira ranger sob o peso dos pezinhos de Ana se esgueirando até minha cama. Nenhuma de nós duas tínhamos medo das sombras vagando pelo cômodo, ou dos uivos do vento na janela. Não quando tínhamos o colo uma da outra para nos acalentar.
Os anos passaram, mas o hábito continuou. E mesmo que Ana se achasse velha o suficiente para ter seus vestidos decotados. Lábios pintados, carmesim. Para os rapazes com quem dançava noite a dentro. Mesmo que eu sentisse, todos os dias, a forma como ela se afastava de mim conforme se transformava em mulher diante dos meus olhos. Eu ainda sentia meu peito se aliviar quando escutava seus passos no corredor.
-Pensei que já estivesse grandinha para ter medo das vozes no bosque - a provoquei, enquanto ela se deitava debaixo das cobertas pesadas.
Eu vi o seu cenho franzindo na luz pálida que vinha da janela. Sua pele estava gelada e suas mãos tremiam levemente sobre meu braço quente.
-Eu não tenho medo - disse num sussurro rouco, os dedos prendendo minha pele com força. - É só que hoje está frio demais e eu não consigo dormir.
Era o que bastava. Uma desculpa boba e um riso trocado na segurança do nosso abrigo. Até parecia que tempo algum havia passado. E, como sempre, era impossível ter medo do que tinha lá fora quando tínhamos nosso acalento.
Por Giulis.
Aquele era um costume que ela havia mantido, mesmo que agora ela estivesse no auge de seus dezesseis anos. Ela podia se achar muito madura pra brincadeiras no bosque, mas não para dormir junto da irmã mais velha. Eu agradecia por isso.
Quando nós viemos passar nosso primeiro verão na casa de nossos tios éramos pequenas o bastante para nos deixarmos assustar por histórias sussurradas pelos empregados.
Fadas nos troncos nodosos de árvores tão velhas quanto nossos avós. Espíritos que chamavam os nomes de crianças malcriadas, em muxoxos cantarolados entre as folhas muito verdes. Nossa babá gostava de nos contar essas histórias na hora de dormir.
E depois que ela apagava a vela branca no criado mudo, e fechava a porta do quarto, não demorava para que eu escutasse a madeira ranger sob o peso dos pezinhos de Ana se esgueirando até minha cama. Nenhuma de nós duas tínhamos medo das sombras vagando pelo cômodo, ou dos uivos do vento na janela. Não quando tínhamos o colo uma da outra para nos acalentar.
Os anos passaram, mas o hábito continuou. E mesmo que Ana se achasse velha o suficiente para ter seus vestidos decotados. Lábios pintados, carmesim. Para os rapazes com quem dançava noite a dentro. Mesmo que eu sentisse, todos os dias, a forma como ela se afastava de mim conforme se transformava em mulher diante dos meus olhos. Eu ainda sentia meu peito se aliviar quando escutava seus passos no corredor.
-Pensei que já estivesse grandinha para ter medo das vozes no bosque - a provoquei, enquanto ela se deitava debaixo das cobertas pesadas.
Eu vi o seu cenho franzindo na luz pálida que vinha da janela. Sua pele estava gelada e suas mãos tremiam levemente sobre meu braço quente.
-Eu não tenho medo - disse num sussurro rouco, os dedos prendendo minha pele com força. - É só que hoje está frio demais e eu não consigo dormir.
Era o que bastava. Uma desculpa boba e um riso trocado na segurança do nosso abrigo. Até parecia que tempo algum havia passado. E, como sempre, era impossível ter medo do que tinha lá fora quando tínhamos nosso acalento.
Por Giulis.
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