Copo americano

Ela tentou voltar o olhar para algum outro canto da cozinha. Tentou. Mas os olhos sempre voltavam para o copo que descansava sobre a pia.

Era um copo americano normal, daqueles em que você toma pingado todos os dias de manhã na padaria. Era um copo normal, mas ele era diferente.

Ela suspirou, enquanto descansava o rosto nos braços cruzados sobre a mesa. Aquilo havia se tornado parte da sua rotina. Fazia quase uma semana que se acostumara a tomar seu café da manhã na cozinha silenciosa. Ela só podia escutar a própria respiração e as crianças no apartamento de cima. E então, depois de comer ela só ficava ali, devaneando enquanto os olhos fitavam o copo vazio.

Naquela semana ela decorara cada traço dele. A forma como a luz fraca da manhã refletia no vidro e brilhava na pia. O trincado na borda, de quando ele o deixara cair enquanto lavava a louça mês passado. E ela lembrou do sorriso culpado no rosto de barba por fazer quando ela perguntou o que estava acontecendo. O resto de café preto que ele deixara no fundo. Quando ele tomou café da manhã pela última vez naquela cozinha. Ele deixara o copo exatamente naquele lugar. E ela ainda não tivera coragem de lavá-lo.

Ela voltou os olhos para pia mais uma vez. O amargo do café recém passado grudado no fundo de sua língua. Mas o amargor parecia estar alí há uma semana inteira.

Ela quase conseguia vê-lo em pé no meio da cozinha, como se absolutamente nada tivesse mudado. Como se ele ainda fizesse parte da sua rotina. Como se não houvesse restado apenas aquele copo e os rastros da rotina dos dois pelos cômodos do apartamento. Mas fora apenas o que restara. Lembranças amargas feito café sem açúcar - do jeito que ele gostava - e um copo americano sobre a pia.

Suspirou uma última vez, se espreguiçando, enquanto torcia os dedos do pé contra o gelado do azulejo da cozinha. Levantou-se da mesa como se o mundo todo estivesse nos seus ombros e, depois de uma semana, pôs-se a lavar a louça do café.

Por Giulis.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Prisões da vida - Analise do conto "De água nem tão doce" de Marina Colasanti.

Talvez