Vermelho

Eu me acostumei a procurar por ele nas esquinas das ruas vazias. Nas mesas dos bares barulhentos. Nas janelas riscadas dos ônibus. Nas estações lotadas do metrô.

Me acostumei a procurar os sinais de vermelho quente em meio a multidão de pessoas frias. Um casaco pesado, uma touca na cabeça, um cachecol em forma de laço em volta do pescoço. Tudo em vermelho sangue. Pulsante. Vibrante. Tão fácil de se ver na maré cinza de todos os dias.

Deveria ser fácil, mas eu parecia cega. Olhos vendados, ou o mundo se fazia sempre preto em branco ao meu redor. Mesmo assim achei que eu o encontraria no meio do caos.

Me acostumei a procurar.

Achei que eu o conhecia. Que sabia bem dos traços do seu rosto. Da cabeça aos pés. Dos gostos dele até a forma como ele conseguia pintar o mundo de todos em colorido.

Eu queria transbordar meu mundo da mesma forma.

Achei que ele era um velho amigo meu, e que eu tinha propriedade de contar sobre ele nas minhas histórias. Mas eu não tinha.

Um dia percebi, enquanto o procurava, que era tudo mentira o que eu dizia sobre ele. Que ele nunca me tocara. Que eu não conhecia seu rosto, seu gosto, ou o calor vermelho que ele transmitia. Que eu nunca o sentira como todos já haviam sentido. E que eu só sabia dele o que outras pessoas haviam me contado.

E foram todas as histórias sobre ele que me fizeram procurar. Por capricho bobo. Por inveja daqueles que o encontravam com tanta facilidade naquele mundo preto e branco.

Procuro pontos vermelhos por aí. Com um peito pesado de ausência. Lágrimas salgando minha língua. E tudo o que eu posso fazer é procurar.

Queria ter coragem de andar sem olhar para os lados, mas tenho medo de perdê-lo antes mesmo de encontrá-lo. E como meu peito dói por saber que eu sou a única procurando por ele. Que eu sempre vou ser a única.

 E que tudo o que vai me restar no final é continuar procurando.

Por Giulis.

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